09 novembro 2010

Atrasado pela própria natureza

Prof. Dr. Marcos Chagas – Geólogo – Professor da UNIFAP (do site www.correaneto.com.br)
Alerto a sociedade amapaense sobre uma ação geopolítica mundial organizada por ONGs internacionais com sede no primeiro mundo, que vem transformando o Amapá e áreas próximas numa região intocada sob o discurso da preservação da biodiversidade, que eles acham ser a proposta que nós, amapaenses, devemos acreditar e apoiar para tornarmo-nos “aptos a receber recursos internacionais” e ajudar a salvar o planeta.
O problema é o excesso de terras amapaenses transformadas em áreas protegidas e a história tem demonstrado o quanto é necessário compartilhar responsabilidade pela preservação do planeta e não apenas imputar os custos da preservação para os pobres enquanto eles, os ricos do primeiro mundo, ficam com os benefícios. “É um absurdo esperar qualquer sacrifício em direção à sustentabilidade no Sul (países em desenvolvimento) se medidas similares não tiverem sido tomadas no Norte (países desenvolvidos)”, critica Herman Daly, ex-economista da área ambiental do Banco Mundial.
Faço esse alerta com a experiência de quem trabalhou no Ministério do Meio Ambiente por quatro anos; coordenou a criação de duas unidades de conservação de uso sustentável no Amapá (APA do Curiaú e RDS do Iratupuru – essas categorias não expulsam as populações locais); tem especialização em áreas protegidas nos EUA, com visita ao Parque de Yellowstone (que recebe 3 milhões de turistas por ano); viajou a África duas vezes para conhecer o modelo de Parques que o primeiro mundo implantou por lá; conhece o Amapá de ponta a ponta e outras qualificações que não me envaidecem.
Deixo claro que não sou contra a preservação. Sou contra o fato de tratarem a preservação dissociada da realidade social local, traduzida em isolar as populações do acesso aos recursos da natureza e de usar o discurso do “bom selvagem” para não permitir que empresas façam investimentos no Amapá.
Também estou convencido de que não se pode querer transformar um cidadão desassistido de políticas públicas de saúde, educação e renda digna em preservacionista. Aí está o problema. Quais são então as alternativas que os preservacionistas da natureza intocada apresentam para a melhoria da qualidade de vida da população do Amapá?
É evidente que ser adepto do apelo preservacionista gera status político e alguns falsos aplausos em eventos internacionais, como aconteceu com o Governador Waldez, em Durban/África do Sul, em 2003, no Congresso Mundial de Parques, quando anunciou a criação da Fundação Tumucumaque de Preservação da Biodiversidade do Amapá. Alguém conhece?
Desconheço alguma área de proteção integral no Amapá que tenha proposta de acesso e uso dos recursos naturais pelas pessoas. O reconhecimento pelas instituições preservacionistas de que essas áreas não geram benefícios tangíveis para as populações locais é mais digno do que prometer que um dia teremos o mesmo desfrute que têm os norte-americanos no Parque do Yellowstone ou nos inúmeros parques que existem por lá.
Tente visitar um Parque Nacional no Amapá ou defender a permanência de populações que vivem há tempos nessas áreas, como a Vila Brasil no Parque do Tumucumaque. Reúna os amigos e vá pescar na região dos lagos da Reserva Biológica do Lago Piratuba. O resultado é a prisão, sem direito a fiança.
O Amapá tem 70% de seu território transformado em áreas protegidas e mais 10 quilômetros em volta dessas áreas consideradas zona de amortecimento. Resta menos de 30% do Amapá para um possível processo de ordenamento territorial negociado. Esses menos de 30% são a maioria de ecossistemas de cerrado, que apresentam restrições tecnológicas para muitas atividades econômicas e não ofertam mobilidade locacional para atividades de mineração, geração de energia de fonte hídrica, manejo florestal sustentável, etc.
Para ser mais direto, o Governador eleito do Amapá governará em menos de 30% de áreas de cerrado. Qualquer atividade econômica a ser desenvolvida no Amapá, o Governador terá que pedir permissão aos preservacionistas. Isso se não encontrar um “bagre” pelo caminho, plagiando Lula ao criticar a ação dos preservacionistas que tentaram barrar a construção do complexo hidrelétrico do rio Madeira, empreendimento em processo de implantação em Rondônia com responsabilidade socioambiental fruto da maturidade política das instituições públicas e privadas.
Infelizmente, devo afirmar que o preservacionismo tornou o Amapá inviável para investimentos econômicos que necessitem manejar recursos naturais, mesmo que se cumpra todas as exigências legais e se adote procedimentos de completa transparência no processo de licenciamento ambiental. Quais são as alternativas?
Para aqueles que acham que isso é apenas uma crítica de um amapaense, de pensamento subdesenvolvido, que não merece credibilidade, pois santo de casa não faz milagre, sugiro leitura do livro do uspiano Antonio Carlos Diegues, sob o título “A Ecologia Política das Grandes ONGs transnacionais conservacionistas”, que desnuda os verdadeiros interesses das ONGs internacionais e de cientistas preservacionistas em relação aos países tropicais. Outra obra interessante é “Ecologia, elites e intelligentsia na américa latina”, de Marcos Reigota, que descreve a discriminação e o preconceito dos países desenvolvidos com o conhecimento gerado nos trópicos. Ou ainda “Biodiversidade e Conhecimentos Rivais, de Boaventura de Sousa Santos, que nos ajuda a entender os significados da biodiversidade e sua retórica. Para conhecer os argumentos dos preservacionistas, sugiro uma leitura do livro “Tornando os Parques Eficientes”, organizado por John Terborgh e outros.

4 comentários:

Ronaldo Ribeiro disse...

Realmente o Professor Marco mais uma vez tem razão.
Devemos saber aproveitar melhor nosso território.
As áreas protegidas devem ser melhor empregadas nas categorias. A questão não é só de preservar. Deve-se levar em conta também a sociedade.

bonfimsalgado disse...

Prezado Eldo, pertinentes e oportunos esses comentários. De fato, o Estado do Amapá está engessado para o pleno desenvolvimento. O excesso de áreas ambientais estaduais e federais protegidas, espanta os eventuais investidores. Inclusive, afastando daqui qualquer projeto de incremento ao turismo ambiental.

Eldo Santos disse...

Na minha opinião, é importantíssimo a manutenção da conservação dessas áreas no Amapá. O que tem que ser melhorado (e muito) é a condição de vida das pessoas do entorno e a infra-estrutura para aproveitamento turístico e dos serviços ambientais de nossas áreas de preservação. Podemos ser um estado muito próspero sem impactar a natureza.

Anônimo disse...

Vc tem razão. Temos que ficar vigilantes em relação aos reais interesses de ONG's internacionais na Amazonia.
Quanto ao Amapá, normalmente as pessoas atrelam o tão almejado Desenvolmente às nossas riquezas naturais.É claro que é um pensamento lógico e esperado de qualquer pessoa sensata. No entanto, as vezes me pergundo se tal situação, imposta a nós(amapaenses), não seria uma grande oportunidade de começarmos a pensar em outras alternativas de investimentos que não seja necessariamente dependentes das áreas protegidas do Amapá. Afinal há países de mentalidades diferentes da nossa que possuem qualidade de vida superior a nossa, tendo em seu território riquezas naturais inferiores aos nossos menos que 30% disponíveis.